A partir do primeiro domingo do Advento, iniciamos o
ciclo C do Ano Litúrgico, o qual segue o evangelho de Lucas.
A espera humana não é, na verdade, a espera de alguma coisa, mas de alguém. Alguém que nos reconheça e queira que existamos. Isto se verifica no nível mais elementar da psicologia, mas vai muito mais longe; porque este que esperamos será o elo que nos juntará a todos na unidade que é o fruto do amor.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 1º Domingo de Advento (2 de dezembro de 2012). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Hoje.
Não vou mais me prolongar sobre os símbolos
apocalípticos, pois já falamos deles em comentários precedentes. Notemos apenas
que são descrições que se aplicam ao que estamos vivendo hoje. Vivemos sob um
regime que opera a divisão entre o homem e a natureza e, também, entre os
homens. São conflitos mortais, cuja presença pode ser notada desde Gn 3 e 4. O
Cristo - o homem do fim, homem escatológico - põe termo ao conflito entre o
homem e a natureza: “Quem é este a quem até os ventos e
o mar obedecem?” (Mt 8,27). Mas o conflito entre os
homens só será superado quando um Filho do homem der a sua vida pela vida de
seus irmãos e, pelo Espírito, nos conceder a capacidade de fazer o mesmo. De
repente, a morte que representava o resultado final destes conflitos, faz-se
ausente na nova criação. Por ora, deixemos de lado o outro conflito, central,
que opõe o homem à mulher, trazendo a divisão para o interior mesmo do ser
humano. Estamos à espera da vitória de Deus e do homem sobre tudo o que nos
divide e nos destrói. E isto irá acontecer na hora do julgamento, quando Deus,
a nossa origem, irá nos separar de tudo o que nos divide. As Escrituras falam
com frequência sobre isto como sendo a vingança ou a revanche de Deus, mas
devemos compreender que esta vingança não se volta contra nós. Ao contrário,
ela vem a nosso favor. A revanche de Deus se confunde com a revanche do homem.
O tempo da espera.
É raro encontrar-se um ser humano que esteja
satisfeito com a sua sorte. “Isto bem que poderia ser
melhor!” pensa-se. Vem daí esta busca constante por
aperfeiçoamentos que sejam inéditos. É uma insatisfação que está presente em
todos os domínios. Sabemos como até os santos procuram obstinadamente progredir
em direção a uma perfeição que jamais será alcançada. Por outro lado, estarmos
abertos ao que possa acontecer e que está se preparando, estarmos preparados
para o que vem, é absolutamente necessário; caso contrário, grandes tumultos e
muita morte poderão ocorrer, quando o novo se fizer irromper. A questão
inevitável é: vamos viver esta espera em regime de medo ou de esperança?
Devemos ser profetas da desgraça ou da felicidade? Não é necessário que nos
apressemos a responder, porque o futuro pode ser de guerra ou de paz, de
prosperidade ou de miséria, de saúde ou de doença. Já vimos que as Escrituras
não pecam por ingenuidade. Anunciam a volta do Cristo, à vitória do Filho do
homem, à “revanche de Deus”,
mas através de catástrofes cósmicas, políticas e sociais. Resulta daí, no
entanto, uma certeza: o mal e a desgraça, desde já disseminados pelo mundo e
sem falsas esperanças de que desaparecerão um dia, não devem nos amedrontar.
Pois Deus vem, de fato, para o melhor: para este nascimento do homem novo que
esperamos na alegria. E vem também para o pior: a Paixão e a morte do Filho
único, do homem único na perfeição da humanidade. “Seja
forte, Israel”, arregaça as mangas, pois Deus te fará
entrar nesta terra nova que te prometeu.
A espera transviada.
É certo que existe quem não espera nada.
E de muitas maneiras. Primeiro, existem os que estão satisfeitos, que se acham
bem como estão, com o que têm. Mas, um dia, a vida virá com as surpresas que
ela traz, para acordá-los desta sua frágil segurança. E a esta sua letargia
opõe-se o conselho evangélico para vigiar:“Ficai
atentos!”. Vigilância que, no limite, pode vir a
dissolver-se no alcoolismo, na droga ou nas “distrações” de que falava Pascal (“distração
que nos diverte e que, insensivelmente, nos faz chegar à morte”).
Mas a espera, de que falam as Escrituras, pode encontrar outros substitutos;
por exemplo, a violência, filha da impaciência. Ou as ideologias, que podem se
tornar paródias da autêntica esperança. Lembremos a confiança desmedida do
cientificismo com vistas à pesquisa científica, ou dos “amanhãs
que cantam” de tantas utopias políticas. Isto não
significa que as diversas pesquisas humanas sejam desprovidas de valor, mas,
quanto a isto, convém que nos entreguemos à humildade, por saber que o sucesso
nestas matérias não irá resolver todos os nossos problemas. A razão disto é que
a espera humana não é, na verdade, a espera de alguma coisa, mas de alguém.
Alguém que nos reconheça e queira que existamos. Isto se verifica no nível mais
elementar da psicologia, mas vai muito mais longe; porque este que esperamos
será o elo que nos juntará a todos na unidade que é o fruto do amor.
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